sábado, 19 de novembro de 2011

Serviço Público


Oh, lecas, tu queres lá ver que...

Há uns anos dizia-se que o serviço público de televisão não tinha audiências - tendo como substrato a ideia de que o serviço público deveria produzir programas capazes de se financiarem, de uma maneira ou de outra, ou de, pelo menos, conseguirem uma fasquia considerável da população. Suspeito que esta avaliação, tantas vezes emitida por tantos, desde o programa "Prós e Contras", aos artigos de opinião em jornais, tinha uma intenção: tentar fechar o serviço público mostrando-o como inócuo na opinião pública, ineficaz ao nível da difusão.

Mas aconteceu que essas críticas levaram a uma re-organização do serviço e a RTP conseguiu, de facto, produzir eficazmente audiências. Passou a obter uma fasquia considerável do seu orçamento através da publicidade. Agora, os mesmos que há uns anos acusavam a RTP de não ter de se financiar e de não conseguir audiências, agora acusam a RTP de roubar o mercado aos privados. Reparem que são os mesmos, as mesmas pessoas.

Agora diz-se que o serviço público não deve financiar-se através do mercado - ou seja, que o serviço público não deve ter publicidade. Diz-se agora que o serviço público deve ser financiado pelo Estado. Simultaneamente, diz-se que o serviço público deve passar apenas o que os outros canais não passam, ou aquilo que não for roubar audiências. Ou seja, agora diz-se que o serviço público só deve produzir o que for ineficaz economicamente. O serviço público deve ficar limitado ao que dá prejuízo: sem publicidade, deve passar conteúdos que pouca gente vê (que não são atractivos para o privado).

Finalmente, diz-se que os canais públicos que pouca gente vê devem acabar (por agora apontam-se os canais da Madeira e dos Açores). Note-se que se se fizer o que estes senhores dizem, todo o serviço público será um serviço que ninguém vê.

O que se quer na verdade é obrigar o serviço público a não ser atractivo (pois que só passa o que não é atractivo para os privados), para depois se dizer que não deve existir serviço público.


Isto é tudo de facto muito parvo, tão parvo quanto o Estado poder agora censurar o que não é, na sua perspectiva, serviço público.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

1984-2014

Oh, lecas, tu queres lá ver que...

Poderíamos escrever um romance chamado 2014 em que a crise fosse utilizada pelo Estado para legitimar perante a opinião pública as suas decisões.

Parece ser isso que se passa. Isto faz lembrar o "1984" de Orwell. Neste romance, o Estado mantém-se em estado permanente de guerra. A guerra consome os recursos, mantendo a população num estado permanente de necessidade e de carência que, por seu lado, gera as condições necessárias para o controlo exercido pelo Estado.

No nosso mundo, a crise serve para justificar qualquer medida, por mais estranha que pareça aos ideais democráticos.

Os governos são cada vez mais compostos por tecnocratas do que por políticos. Diz-se que somos controlados pela Merkel, mas se repararmos bem, o governo alemão não é um governo de políticos, como os governos que antecederam o actual. O governo alemão de Merkel é sobretudo tecnocrata. Os governos europeus, sobretudo da zona euro, são cada vez mais meros executores de decisões que emanam de outros pontos. De onde? De centros que ninguém sabe muito bem onde ou em quem, concretamente, se materializam. As decisões parecem emanar de órgãos não eleitos sendo depois legitimadas pelos governos técnicos dos países.

Parece que existem duas opiniões base sobre o futuro da União: a federação e a polarização (duas europas a duas velocidades). Não sei se o federalismo será melhor, mas sei que isso deveria ser discutido. Contudo, o que acontece é que alguém decide essas matérias nos bastidores, e depois implementa-as "em nome da crise". Eles podem implementar o que quiserem, desde que seja em nome da crise.

Acontece que as coisas são implementadas de forma sub-reptícia. Provavelmente, nenhum político abrirá um referendo sobre a criação de uma federação. O que se fará será introduzir pequenas modificações no espírito das leis da União Europeia e dos próprios Estados-Membros. Por exemplo, começar-se-á por obrigar os Governos a levar os orçamentos de estado à Comissão Europeia antes de os levar aos próprios parlamentos nacionais. Introduzir-se-ão limites ao endividamento nas constituições nacionais. Obrigar-se-á os estados endividados a partilhar a sua soberania. E quando dermos conta disso já todos os estados estão endividados e serão obrigados a partilhar a sua soberania - os que não estiverem endividados serão obrigados a partilhar a soberania também, em nome da equidade. Finalmente, não haverá nenhuma soberania a partilhar, porque não existirá mais soberania. Se é que hoje ainda existe alguma.

O problema não é o que se faz, não é fazer-se uma federação, mas como tudo se tem feito, isto é, com o poder de decisão afastado dos cidadãos. São eles, os dos bastidores, não os cidadãos, que decidem tudo e depois impõem o que entendem em nome da crise. Alguém estará neste momento a decidir o futuro da União, e quando decidirem, com base nos seus interesses, alguém, um espantalho qualquer, virá à televisão transmitir-nos uma medida qualquer, que poucos entenderão, justificando-a em nome da crise. Pouco a pouco o que eles decidiram será feito, em nome da crise. Sempre em nome da crise. E nós, em nome da crise, aceitaremos tudo, porque está criado o pano de fundo ideológico que nos faz aceitar tudo: sabemos que estamos em crise, e que por isso têm que ser tomadas medidas. Quais medidas? Quaisquer umas.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

A crise do modelo de desenvolvimento ocidental e a emergência chinesa

Oh, lecas, tu queres lá ver que...

Sou capaz de acreditar que estamos a caminhar para um momento histórico de redefinição no Ocidente. O nosso modelo de desenvolvimento, o nosso sistema económico e político, estão cada vez mais moribundos e é presumível a sua queda ou reformulação a médio prazo, quem sabe, entre cinco a quinze anos.

Mas que alterações nos aguardarão?

Não estou certo de que as mudanças que se irão operar serão no sentido que consideraríamos, a priori, positivo.

Concedo que a necessidade crescente que a economia capitalista ocidental tem da China, bem como os elogios que os representantes financeiros mundiais têm tecido às políticas económicas chinesas - concedo que estes aspectos possam sugerir um determinado caminho. Podem configurar em si mesmos augúrios, presságios do que nos espera.

Sou capaz de acreditar que está eminente uma aproximação do modelo ocidental ao modelo chinês, talvez com algumas cambiantes. Mas, talvez o modelo do próximo futuro seja o chinês. A exportação do modelo chinês não ocorrerá, obviamente, às claras. Não veremos ninguém a empunhar armas e a implantar um sistema abertamente chinês. Não veremos propaganda a defender essa revolução.

Tratar-se-á de uma revolução paradoxalmente paulatina, mais lenta do que uma revolução habitualmente é, mas ainda assim, será de facto uma alteração brutal. Simplesmente, não será brusca, de um dia para o outro. Serão pequenas mudanças, nem sempre formalmente claras, que se imporão sempre pelas circunstâncias e em nome da população ou dos países, mas de forma irreversível o nosso sistema será cada vez mais como o modelo chinês.

Trata-se de simples evolucionismo político: o sistema que, num dado momento histórico, numa dada circunstância, perante certas condicionantes funciona melhor - esse sobrevive, os outros enfraquecem ou extinguem-se.

Há indícios: a Grécia que inventou a Democracia (democracia directa, embora não universal) há mais tempo que se inventou o Cristianismo teve que abdicar do referendo - as democracias ocidentais evidenciam medo relativamente a sufrágios universais; fala-se em discutir os assuntos mais importantes longe do conhecimento público, "porque o efeito de se saber que certas coisas se discutem é perverso" - pensar que é mau o público saber aquilo que se discute é sintomático de uma atitude não democrática (no sentido ocidental); o estabelecimento de governos sobretudo técnicos, sem verdadeira ideologia, como meros executores burocráticos é tão óbvio que nem seria necessário referi-lo - no governo alemão, incapaz de liderar, incapaz de pensar fora dos cânones do momento, nos governos da Itália e da Grécia que serão empossados nos próximos dias, até mesmo no governo de Portugal, o qual é mais um governo de técnicos do que um governo de políticos, mais um governo fantoche que um governo de decisões. Quando parece que o nosso governo toma decisões, devemos sempre resfriar esta ilusão com a realidade de que, na verdade, apenas cumpre ordens.

Enfim, alguns sinais estão aí. Veremos como será. Mas desconfio que no futuro estaremos tão próximos da China que podemos ser considerados a Macau do Ocidente (não me refiro exclusivamente a Portugal, mas ao Ocidente - talvez excluindo alguns países, como a Noruega, mas que poderão ser arrastados mais tarde).

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Compra e venda de casas em Cuba

Oh, lecas, tu queres lá ver que...

Desde 1959 que Cuba proibia a compra e venda de propriedades. Esta proibição resultava da ideologia marxista adoptada pelo regime instaurado por Fidel Castro.

Agora, em 2011, o governo de Raul de Castro fez aprovar a lei que irá legalizar a compra e venda de casas. Esta legalização segue-se à da compra de veículos automóveis aprovada o mês passado (Outubro).

Cuba segue o seu caminho para o capitalismo, lenta mas paulatinamente entrando na economia que os velhos impérios começam a recear. Resta ainda saber se a abertura económica coincidirá com uma abertura política correspondente.