segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Vontade e Resistência

Oh, lecas, tu queres lá ver que...



Nestas alturas aparece quem pretenda supostamente citar Darwin, provavelmente sem o ter lido.


Primeiro: dizem-nos que é uma questão de sobrevivência, que é a lei da sobrevivência dos mais fortes. Mas com isto supõem que está dado e adquirido o que seja isso de "mais fortes". No fundo acreditam saber o que é a força e no que consiste a sua aplicação correcta. Não se apercebem que isso não é claro. À primeira vista parece que o Tiranossauro Rex é "mais forte" que a "galinha". Mas seria preciso considerar o facto de hoje haver galinhas, e não haver tiranossauros. Na verdade, os dinossauros devieram galinhas para conseguirem sobreviver.

Segundo: então corrigem e dizem que é uma questão de sobrevivência, que é a lei da sobrevivência dos mais aptos. Mas com isto supõe que está dado e adquirido que ser "apto" significa "estar adaptado". Presumem as espécies se extinguem porque não estão adaptadas. Mas claro que isso é um equívoco: na verdade, a maior parte das espécies que se extinguem naturalmente, extinguem-se porque se adaptaram demasiado a um meio. Ou seja, dizer que temos que nos adaptar às circunstâncias vigentes para sobreviver é erróneo: foi a adaptação às circunstâncias vigentes que extinguiu as espécies que já cá não estão. A especialização é um problema, porque as circunstâncias mudam.

Esquece-se muitas vezes que o que fez dos seres humanos um tipo particular de estar no mundo não foi tanto a sua capacidade para se adaptar, mas a sua inadaptação originária. Qualquer livro de psicologia diz esta verdade - chamam-lhe prematuridade humana, neotenia, inacabamento, etc. O que faz a diferença específica humana não é, repito: não é o seu estado avançado em relação às restantes espécies animais. Mas sim: o seu retardamento. A nossa primazia, se há em nós uma primazia, não está em confundirmo-nos com o mundo, mas na nossa heterogeneidade relativamente ao mundo e à própria vida. O que nos fez fortes, se somos fortes, não foi a nossa capacidade de nos adaptarmos mas sim, repito: mas sim a nossa capacidade de adaptarmos o mundo, de mudarmos o mundo.

O que nos caracteriza não é a capacidade de cedermos às circunstâncias, mas de termos uma vontade, de resistirmos nessa vontade, contra as circunstâncias, apesar delas...

Quando o humano se tornar um ser apenas de adaptação, talvez já não valha a pena que sobreviva, porque já deixou de ser humano. Se se extinguir o que ficou da sua ruina, outro animal qualquer tomará o seu lugar.