Oh, lecas, tu queres lá ver que...
Ora, o debate que decorreu na TVI, dia 06 de Setembro de 2009, opôs Manuela Ferreira Leite (MFL), líder do PSD, a Francisco Louçã (FL), líder do BE.
Parece-me que o debate revelou duas linhas distintas de raciocínio, a saber, a de FL que consistiu, principalmente, em defender que as suas ideias e propostas diferem substancialmente das do programa do PSD - e a linha de raciocínio de MFL que consistiu, por seu turno, em afirmar que afinal as suas opiniões são basicamente as do BE. A frase mais ouvida a FL foi "e aqui temos grandes diferenças". A frase mais ouvida a MFL foi "estou em parte de acordo com as coisas que o Francisco Louçã disse".
Ora, esta prevalência por si só deve revelar alguma coisa, e suponho que seja interessante saber o quê. Bem, MFL parecia ter apostado em mostrar que aquilo que o BE defende está protegido se ela for eleita para o Governo. Por outro lado, à frase "estou em parte de acordo" seguia-se ou o contrário daquilo que FL dissera, ou um conjunto de generalidades retiradas do manual do senso-comum e que, exactamente pela sua abstracção, tanto poderiam conter tudo como coisa nenhuma. Quanto a FL passou o frente a frente a suar para provar que aquilo que o BE defende nada tem que ver com aquilo que o PSD defende, mas como tentava a cada passo usar apresentações económicas objectivas o seu discurso acabava engolido pela generalização de MFL.
Portanto, enquando MFL tentou mostrar que ela aí está para defender os interesses de toda a oposição, que afinal cabe inteira nas suas ideias, FL esgremiu todos os argumentos que foi capaz de desencantar para afiançar ao seu eleitorado que vale a pena votar no BE.
Mas se essas foram as ideias com prevalência ao nível da frequência, podemos ainda perguntar se elas foram também as mais importantes. É que, muitas vezes, a realidade não se mostra tal como é na maioria das suas manifestações, mas é apenas em alguns raros fenómenos que ela traz à luz as suas verdadeiras características ou propriedades. Por vezes o mais importante do que é dito não se radicou no que foi mais vezes afirmado, mas precisamente naquilo que escapou apenas um
a vez.
Houve, pois, uma expressão que eu aqui, neste mero apanhado, gostava de realçar: "é a vida". Ora, este "é a vida" que escapou da boca de MFL faz-me lembrar um sem número de situações em que ouvi essa mesma locução. Estas situações são sempre situações que parecem estabelecidas definitivamente e são entendidas como estabilizadas por quem com elas se depara. Ou melhor, na maioria das vezes, a gente diz é a vida quando interpretamos esta ou aquela situação como banal, recorrente, irrevogável. É a vida porque não há nada a fazer. E quando nada há a fazer, já tudo foi feito. Esta é a apresentação mais habitual do domínio de familiaridade: é assim a vida.
Este é um problema que afecta as nossas sociedades: tomamos demasiadas coisas como pre-estabelecidas, como parte da realidade como ela é. Consideramos a pobreza apenas mais uma lei da natureza: é verdade que tudo o que sobe cai e que os pobres têm de existir. É verdade que o sistema de saúde está mal, que o casamente se trata de uma formalização da união entre duas pessoas de sexos diferentes, e por aí além. Existe um sem número de interpretações pre-estabelecidas que formatam o modo como entendemos o que se passa à nossa volta.
Esta forma de abordar o que se passa à nossa volta tem um nome: comodismo. Também se lhe pode chamar conservadorismo, quando a mera pre-aceitação da realidade aparente toma a defesa daquilo que aparece como real. Na certeza de estarm a defender a realidade, a gente jura a pés juntos que é realista e que quem não vê as coisas como elas aparecem defende uma apresentação utópica. Na verdade, o nome não me interessa no caso presente. Mas considero que este foi o momento esclarecedor do debate. O momento a partir do qual podemos ter luz para ler as restantes linhas deste frente a frente. O momento em que o realism
o de MFL se opôs às utopias de FL. E quanto a isto tenho a dizer que nem sempre aquilo que parece ser real é real.
Ora, o debate que decorreu na TVI, dia 06 de Setembro de 2009, opôs Manuela Ferreira Leite (MFL), líder do PSD, a Francisco Louçã (FL), líder do BE.

Ora, esta prevalência por si só deve revelar alguma coisa, e suponho que seja interessante saber o quê. Bem, MFL parecia ter apostado em mostrar que aquilo que o BE defende está protegido se ela for eleita para o Governo. Por outro lado, à frase "estou em parte de acordo" seguia-se ou o contrário daquilo que FL dissera, ou um conjunto de generalidades retiradas do manual do senso-comum e que, exactamente pela sua abstracção, tanto poderiam conter tudo como coisa nenhuma. Quanto a FL passou o frente a frente a suar para provar que aquilo que o BE defende nada tem que ver com aquilo que o PSD defende, mas como tentava a cada passo usar apresentações económicas objectivas o seu discurso acabava engolido pela generalização de MFL.
Portanto, enquando MFL tentou mostrar que ela aí está para defender os interesses de toda a oposição, que afinal cabe inteira nas suas ideias, FL esgremiu todos os argumentos que foi capaz de desencantar para afiançar ao seu eleitorado que vale a pena votar no BE.
Mas se essas foram as ideias com prevalência ao nível da frequência, podemos ainda perguntar se elas foram também as mais importantes. É que, muitas vezes, a realidade não se mostra tal como é na maioria das suas manifestações, mas é apenas em alguns raros fenómenos que ela traz à luz as suas verdadeiras características ou propriedades. Por vezes o mais importante do que é dito não se radicou no que foi mais vezes afirmado, mas precisamente naquilo que escapou apenas um

Houve, pois, uma expressão que eu aqui, neste mero apanhado, gostava de realçar: "é a vida". Ora, este "é a vida" que escapou da boca de MFL faz-me lembrar um sem número de situações em que ouvi essa mesma locução. Estas situações são sempre situações que parecem estabelecidas definitivamente e são entendidas como estabilizadas por quem com elas se depara. Ou melhor, na maioria das vezes, a gente diz é a vida quando interpretamos esta ou aquela situação como banal, recorrente, irrevogável. É a vida porque não há nada a fazer. E quando nada há a fazer, já tudo foi feito. Esta é a apresentação mais habitual do domínio de familiaridade: é assim a vida.
Este é um problema que afecta as nossas sociedades: tomamos demasiadas coisas como pre-estabelecidas, como parte da realidade como ela é. Consideramos a pobreza apenas mais uma lei da natureza: é verdade que tudo o que sobe cai e que os pobres têm de existir. É verdade que o sistema de saúde está mal, que o casamente se trata de uma formalização da união entre duas pessoas de sexos diferentes, e por aí além. Existe um sem número de interpretações pre-estabelecidas que formatam o modo como entendemos o que se passa à nossa volta.
Esta forma de abordar o que se passa à nossa volta tem um nome: comodismo. Também se lhe pode chamar conservadorismo, quando a mera pre-aceitação da realidade aparente toma a defesa daquilo que aparece como real. Na certeza de estarm a defender a realidade, a gente jura a pés juntos que é realista e que quem não vê as coisas como elas aparecem defende uma apresentação utópica. Na verdade, o nome não me interessa no caso presente. Mas considero que este foi o momento esclarecedor do debate. O momento a partir do qual podemos ter luz para ler as restantes linhas deste frente a frente. O momento em que o realism

Muitas vezes, na verdade, na maior parte das vezes o que aparenta ser real é apenas aparência. Por outro lado, a utopia é muitas vezes o que leva à reconfiguração da realidade. É o sonho que comanda a vida. E se, mal ou bem, a humanidade chegou onde está hoje, não foi por tomar as coisas como certas ou como estabelecidas, mas porque a humanidade se definiu sempre a si própria através de um desejo de desafiar a estabilidade, porque as suas expectativas mais ilustres estão sempre lançadas em alguma coisa que não tem lugar ainda (utopia).
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Oh, lecas, tu queres lá ver que...