quarta-feira, 16 de novembro de 2011

1984-2014

Oh, lecas, tu queres lá ver que...

Poderíamos escrever um romance chamado 2014 em que a crise fosse utilizada pelo Estado para legitimar perante a opinião pública as suas decisões.

Parece ser isso que se passa. Isto faz lembrar o "1984" de Orwell. Neste romance, o Estado mantém-se em estado permanente de guerra. A guerra consome os recursos, mantendo a população num estado permanente de necessidade e de carência que, por seu lado, gera as condições necessárias para o controlo exercido pelo Estado.

No nosso mundo, a crise serve para justificar qualquer medida, por mais estranha que pareça aos ideais democráticos.

Os governos são cada vez mais compostos por tecnocratas do que por políticos. Diz-se que somos controlados pela Merkel, mas se repararmos bem, o governo alemão não é um governo de políticos, como os governos que antecederam o actual. O governo alemão de Merkel é sobretudo tecnocrata. Os governos europeus, sobretudo da zona euro, são cada vez mais meros executores de decisões que emanam de outros pontos. De onde? De centros que ninguém sabe muito bem onde ou em quem, concretamente, se materializam. As decisões parecem emanar de órgãos não eleitos sendo depois legitimadas pelos governos técnicos dos países.

Parece que existem duas opiniões base sobre o futuro da União: a federação e a polarização (duas europas a duas velocidades). Não sei se o federalismo será melhor, mas sei que isso deveria ser discutido. Contudo, o que acontece é que alguém decide essas matérias nos bastidores, e depois implementa-as "em nome da crise". Eles podem implementar o que quiserem, desde que seja em nome da crise.

Acontece que as coisas são implementadas de forma sub-reptícia. Provavelmente, nenhum político abrirá um referendo sobre a criação de uma federação. O que se fará será introduzir pequenas modificações no espírito das leis da União Europeia e dos próprios Estados-Membros. Por exemplo, começar-se-á por obrigar os Governos a levar os orçamentos de estado à Comissão Europeia antes de os levar aos próprios parlamentos nacionais. Introduzir-se-ão limites ao endividamento nas constituições nacionais. Obrigar-se-á os estados endividados a partilhar a sua soberania. E quando dermos conta disso já todos os estados estão endividados e serão obrigados a partilhar a sua soberania - os que não estiverem endividados serão obrigados a partilhar a soberania também, em nome da equidade. Finalmente, não haverá nenhuma soberania a partilhar, porque não existirá mais soberania. Se é que hoje ainda existe alguma.

O problema não é o que se faz, não é fazer-se uma federação, mas como tudo se tem feito, isto é, com o poder de decisão afastado dos cidadãos. São eles, os dos bastidores, não os cidadãos, que decidem tudo e depois impõem o que entendem em nome da crise. Alguém estará neste momento a decidir o futuro da União, e quando decidirem, com base nos seus interesses, alguém, um espantalho qualquer, virá à televisão transmitir-nos uma medida qualquer, que poucos entenderão, justificando-a em nome da crise. Pouco a pouco o que eles decidiram será feito, em nome da crise. Sempre em nome da crise. E nós, em nome da crise, aceitaremos tudo, porque está criado o pano de fundo ideológico que nos faz aceitar tudo: sabemos que estamos em crise, e que por isso têm que ser tomadas medidas. Quais medidas? Quaisquer umas.

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