quinta-feira, 27 de outubro de 2011

O nosso modelo económico: um cadáver adiado

Oh, lecas, tu queres lá ver que...

Já toda a gente percebeu que o sistema económico vigente apresenta graves falhas. Na verdade, já falhou.

Como se sabe que um sistema falhou? Quando ele se torna paradoxal. Ao longo da história vimos isso acontecer com sistemas e paradigmas filosóficos, científicos, políticos e sociais, económicos e mercantis, etc. A crise dos sistemas é sempre igual: a proposta explicativa do sistema leva a modelos de previsão paradoxais. Ou seja, torna-se um absurdo. O sistema cai e outro surge...

No nosso caso temos o mesmo: no sistema em que vivemos os entendidos prevêem determinadas hipóteses como solução para a situação problemática em que vivemos. Então, para alcançar as condições que reconhecem como necessárias para resolver o problema, sugerem determinadas actuações. No entanto, essas actuações, ao serem implementadas, provocam elas próprias danos na situação já de si problemática. Além disso, as condições previsivelmente boas que se desejam, têm por si mesmas efeitos colaterais na conjuntura, provocando a sua degradação.

Resumindo: a cura prejudica ainda mais o doente. Cada economista prevê que uma cura seja melhor que a outra prevista pelo seu colega. Mas todos os economistas sabem que todas as soluções que têm sido propostas acarretam graves consequências e que, potencialmente, irão agravar mais a situação em que estamos. Mas cada um acredita que, se a sua ideia for aplicada irá ocorrer um milagre que fará com que os resultados positivos sejam superiores aos negativos.

Ora, isto é um sistema em crise: quando os modelos explicativos que propõem resultam em dilemas paradoxais. Dilemas em que, qualquer que seja a acção tomada, o resultado será sempre contraditório. Qualquer das medidas que este sistema consegue prever são medidas que, para alcançar 2 ou 3 condições boas, provoca 4 ou 5 más.

Alguns economistas acreditam que devemos de facto piorar para poder melhorar. Acreditam, tal como os barbeiros antigos, que a fraqueza induzida no corpo pela sangria criará as condições necessárias à convalescença.

Na verdade, os nossos economistas, e os barbeiros (por vezes), até estão certos: criam-se as condições necessárias. Mas não as suficientes - e o problema está aqui.

Ora, temos duas hipóteses para sair da crise em que estamos sem mudar o sistema: 1ª - apostar na austeridade; 2ª apostar no investimento.

1ª: Com a austeridade criam-se condições necessárias para o crescimento, mas não as suficientes. Mesmo que se consiga reduzir o défice e a dívida para níveis razoáveis (o que é duvidoso, dados os efeitos recessivos das medidas), a economia real ficará tão mal, a situação ficará tão depauperada que, para voltar a relançar o país o Estado vai ter que se endividar outra vez e aumentar exponencialmente o défice.

2ª: Com um investimento suave e a manutenção de medidas brandas de contenção, os mercados e a conjuntura política europeia e mundial iriam apertar-nos tanto que teríamos que (depois de expulsos do Euro) cunhar moeda a rodes. Enfim, teríamos dinheiro, é verdade, mas ele nenhum ou pouco valor teria. Na verdade, não temos espaço de manobra para investir quando não temos dinheiro.

Em ambas as hipóteses se criam condições sem as quais não há crescimento, mas em nenhuma se criam as condições suficientes. É que, para criar as condições suficientes seria necessário aplicar ambas as hipóteses, o que é praticamente muito difícil (estou a tentar evitar a palavra impossível). Não é fácil poupar e gastar, por mais voltas teóricas e mudanças de definições ou escolha de palavras que se façam. Para poupar tenho de não gastar. Para gastar não poupo. É simples. Se gasto e poupo, vai dar ao mesmo (se poupo dez e gasto dez fico na mesma situação em que estava antes).

Nestas circunstâncias passamos a vida a discutir quem é que deve suportar os esforços, se mais os ricos ou mais os pobres. O problema foi escamoteado e poucos o têm referido: o problema não é saber quem deve pagar o quê, pois o problema está a montante: no sistema e nos seus modelos.

Mas os poucos, muito poucos, que têm feito referência a isto (à necessidade de discutir um novo sistema com novos modelos), têm-no feito como se as alterações necessárias e suficientes pudessem ser ditadas pela lógica deste sistema actual. Isso é errado: o sistema deve ser mudado, logo, as alterações a fazer não devem seguir a sua lógica. Se eu digo: "vamos ter que mudar o sistema, pois mostrou-se necessário terminar com o estado social" (saúde, educação, segurança social públicas) - estou ainda dentro do sistema.
Outros, desses poucos que referem a necessidade de mudar o sistema, pensam ser possível progredir voltando a trás. O que é parvo. Tentar melhorar este sistema utilizando matrizes de outros sistemas velhos que eles próprios falharam é parvo. Os médicos quando fazem um transplante de coração não vão colocar no doente um coração que, ele próprio, já teve um AVC. Seria muito parvo. Da mesma forma é parvo utilizar sentenças de modelos que faliram para converter o sistema em que estamos: estar-se-ia a converter um sistema moribundo noutro já morto.

Resumindo: precisamos de um novo sistema com novos modelos explicativos da realidade económica-social-política. Um mundo novo precisa de um novo paradigma. Mas este paradigma deve deixar de lado os preconceitos do velho. Tal como Einstein teve de se abstrair das teorias de Newton, tal como Galileu e Copérnico tiveram de se abstrair das teorias de Ptolomeu.

Mas imagine-se o espanto das pessoas quando alguém aparece a dizer que afinal a Terra não está parada! Imagine-se o espanto das pessoas quando alguém afirma que o espaço e o tempo são realidades que interagem com a matéria (e não simplesmente ocupadas por ela), e que a matéria e a energia são a mesma coisa! Aos contemporâneos de Galileu, Copérnico e Einstein pareceram simplesmente loucos. Mas é a loucura que faz pular e avançar o mundo.


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Oh, lecas, tu queres lá ver que...